25 de março de 2024

O 25 de Abril na Ilha

 



O café Lanheiro estava à pinha: novos e velhos reunidos para ouvir "histórias do25 de Abril nas tabernas", naquela que terá sido a mais genuína iniciativa das comemorações dos 50 anos da revolução -  testemunhos de quem a viveu, sob diversas formas. Durante a tarde de domingo, esteve ali tudo:  o povo e a forma como vivia, sem paz, pão, habitação; os privilegiados da Guia (Artur Carreira e Amândio Neves assumiram-no e contaram-no com grande generosidade, desde a campanha de Humberto Delgado às lutas estudantis em Coimbra), os que não conseguiram escapar à guerra e combatiam contra a vontade, os que foram vítimas do processo de descolonização. E os que cresceram a ouvir as histórias dos pais e avós, que já nunca conheceram a ditadura mas têm consciência e valorizam as portas que abril abriu. Ao fundo, uma fotografia antiga dos homens que criaram a primeira Comissão de Melhoramentos da Ilha, essa terra especial onde o tempo fez cinza da brasa. Um mão cheia deles. 

"Estes homens sofreram muito. Ninguém imagina. O povo vivia mal". As palavras da Ti Preciosa, viúva de um desses homens, avó da Patrícia, que agora gere o Lanheiro (antiga taberna) vão ecoar-me por muito tempo. O medo. O medo de falar, de agir, de ser "chamado a Pombal", à Câmara, ou ao capitão Gonzaga. Os pides infiltrados entre a populaça, controlados pelos homens poderosos da terra. As diferenças tão vincadas entre uma aldeia como a Ilha (que podia ser a minha Moita do Boi) e a Guia, "que ao pé de nós era uma cidade". As diferenças tão vincadas na sociedade. E a declaração emocionada de António Moderno, professor jubilado: "Ninguém imagina a alegria que eu sinto em olhar à minha volta e ver que o neto do sapateiro é engenheiro, que toda a gente tem instrução, quando naquela altura havia três ou quatro licenciados. O 25 de Abril foi o dia mais feliz da minha vida".

A ilha é uma terra especial. Dali sempre brotou intervenção pública, sobretudo cultural. E ontem, ao ver aquele encontro de gerações e de interesses (que terminou com a brilhante atuação dos músicos André Ramalhais e Evandro Capitão, a acompanhar a declamação da poesia de Ary dos Santos pela Lina Oliveira), tive a certeza de que ali se cumpriu Abril. 

Só nos faltava agora que este Abril não se cumprisse.

1 comentário:

  1. A Ilha de facto em termos de Associativismo, eventos culturais e sobretudo bairrismo é um exemplo para o resto do Concelho. Politicamente enquadra-se na maioria do concelho, normalmente nas urnas ganha o PSD. Provavelmente são os outros partidos que não conseguem passar a mensagem ou então é simplesmente o velho habito de Votar na Seta que vai para o céu.

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